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BE vota contra a proposta de pronúncia sobre a reorganização administrativa em Gaia

 

Sobre a proposta de reorganização administrativa do território das freguesias apresentada pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia

 

Com a proposta apresentada, a Câmara pretende manter inalteradas 8 das 24 freguesias de Vila Nova de Gaia e agregar as restantes 16 duas a duas, resultando numa redução do número global de freguesias de Vila Nova de Gaia, das actuais 24, para 16.

A  primeira coisa que se nos oferece perguntar é: porquê? Em nome de quê? Qual é a grande vantagem que supostamente resulta da redução do número de freguesias, que justifica que esta proposta surja como o resultado de uma negociação entre PSD, CDS e PS? Qual o motivo que explica que estes três partidos tragam aqui uma proposta cozinhada nas costas das populações, depois de não terem querido que os gaienses tivessem sequer a possibilidade de se expressarem em Referendo? Porque motivo apresentam uma proposta que não anunciaram aos gaienses nas últimas eleições autárquicas? Algum deputado municipal eleito ou algum presidente de Junta de Freguesia andou, na última campanha autárquica, a anunciar aos gaienses que iria acabar com a sua freguesia ou que a iria fundir com outra? Se não o fizeram, então é preciso dizer que nenhum dos membros desta Assembleia Municipal tem mandato para promover a agregação de freguesias e é uma vergonha que o queiram fazer.

Qual o motivo que leva estes três partidos, PSD, CDS e PS, a desrespeitarem ostensivamente o parecer de tantas assembleias de freguesia? Em relação ao PS, especialmente, qual o estranho motivo que levou este partido a votar contra a Lei 22/2012 na Assembleia da República, a pronunciar-se contra a fusão de freguesias no Porto e em tantos outros municípios, mas alinhar numa coligação com PSD e CDS em Gaia pela destruição das freguesias? Como entender que os vereadores do PS apresentem uma declaração de voto na qual, hipocritamente, consideram que as freguesias “cumprem uma missão social incalculável” e manifestam receio com o mal que esta reforma fará “à vida do país e ao quotidiano dos portugueses”, mas depois tenham votado favoravelmente a proposta de fusão de freguesias?

Como se pode entender isto? O PS, o PSD e o CDS, coligados, querem acabar com 16 das freguesias de Gaia tal como hoje existem, em nome de quê?

A resposta é simples: em nome de nada!

Efectivamente, todos os argumentos que foram sendo sucessivamente invocados a favor da suposta necessidade de reduzir o número de freguesias caíram pela base.

Foi assim com o argumento de que era preciso eliminar um grande número de freguesias em nome da redução da despesa pública. Caiu pela base, ao perceber-se que as despesas das freguesias representam menos de 0,1% do Orçamento de Estado!

Foi assim com o argumento de que se tratava de um imposição externa. Desmoronou-se este argumento, quando os representantes da troika revelaram à Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE) que a iniciativa de incluir no Memorando de Entendimento o compromisso de reduzir o número de autarquias não partiu da troika – ficando claro, portanto, que tal iniciativa partiu do Governo PS que negociou o Memorando. Não há, nunca houve, imposição externa, coisa nenhuma.

O mesmo destino teve o argumento de que era necessário dotar as freguesias de “massa crítica” para poderem assumir novas competências. A proposta de novo Regime Jurídico das Autarquias Locais aí está, apresentada pelo Governo e não contém nada que justifique a tal necessidade de maior “massa crítica”, antes perpetuando a desvalorização das freguesias.

Quanto ao argumento de que a fusão de freguesias permitiria atender melhor às necessidades da população, esse, só não caiu pela base porque nunca se manteve de pé! De facto, ao prejudicar seriamente a proximidade às populações, que é o grande valor distintivo das freguesias enquanto autarquia local, este proposta só pode gerar pior governação e pior democracia local.

Resta um único argumento: uma estratégia de contenção de danos, procurando evitar que a redução de freguesias seja feita pela famigerada Unidade Técnica e acabe por implicar danos ainda mais significativos. É o fantasma do Terreiro do Paço, com uma régua e uma tesoura na mão, que se invoca para defender esta estratégia que se poderia resumir na seguinte frase: “se não formos nós a eliminar umas quantas freguesias, será ainda pior!” Mas a responsabilidade de cada um é tomar posição de acordo com a sua consciência. O Bloco de Esquerda contesta a Lei 22/2012 e não dá por adquirido que este processo vá avante. Rejeitamos por isso a estratégia da contenção de danos, que é uma estratégia desistente. Vale a pena, aliás, recordar que o próprio Presidente da Unidade Técnica para a Reorganização do Território, Dr. Manuel Porto, o tal senhor dito do Terreiro do Paço que afinal é Presidente da Assembleia Municipal de Coimbra, eleito pelo PSD, não só votou contra a proposta de agregação de freguesias em Coimbra, como se manifestou publicamente como frontalmente contra a possibilidade de agregar freguesias! Se é assim que fala o tal fantasma do Terreiro do Paço, cai também por terra o argumento da contenção de danos, sem glória.

Chegamos portanto à única conclusão possível: a obsessão em reduzir o número de freguesias só pode ser entendida como um ataque deliberado à democracia local. Estamos perante a triste herança deixada por um ministro, Miguel Relvas, que, politicamente, é já um zombie num Governo que ainda está apenas moribundo.

No que se refere, em concreto, à proposta de pronúncia apresentada pela Câmara, ela suscita grandes perplexidades.

Desde logo, o facto de a proposta desrespeitar os pareceres emitidos pelas Assembleias de Freguesia de Crestuma, Olival, Gulpilhares, Valadares, Lever, Sandim, Perozinho, e de Sermonde, as quais se pronunciaram clara e inequivocamente contra a possibilidade de fusão da respectiva freguesia com qualquer outra, mas que agora se vêem confrontadas com este proposta aprovada por PSD, CDS e PS que promove efectivamente a sua fusão com outra freguesia. É uma afronta a estas freguesias e à sua população.

Depois, como entender que seja possível juntar, por exemplo, Sandim com Lever? Trata-se de duas freguesias sem qualquer afinidade, com os centros das freguesias bastante afastados um do outro, e sem ligações rodoviárias entre elas. Na verdade, Sandim e Lever, nem sequer chegam a ser confinantes ao longo de uma linha de fronteira! Simplesmente tocam-se num ponto, um vértice onde convergem estas duas freguesias e ainda Crestuma e Canedo, do município de Santa Maria da Feira. A agregação de Sandim com Lever é portanto profundamente artificial e gera uma espécie de freguesia em forma de oito. Será desta forma que a Câmara pensa atingir algum dos nobres objectivos invocados no artº 2º da Lei 22/2012, como a coesão territorial e o desenvolvimento económico? Julgamos que, pelo contrário, com esta proposta a coesão territorial e o desenvolvimento local ficam mas é feitos num oito!

E que dizer da criação de uma freguesia com mais de 52 mil habitantes, ao juntar Mafamude com Vilar do Paraíso? É isto ainda uma autarquia local caracterizada pela forte proximidade dos eleitos à população?

E como terá a Câmara chegado à conclusão que uma freguesia como a Madalena, que conta com 10040 habitantes e tem uma densidade populacional de 2141 habitantes por km2 teria as condições necessárias para se manter autónoma, mas que Gulpilhares (com 11341 habitantes e uma densidade populacional de 2072 hab./km2) teria de se agregar com Valadares (que conta com 10678 habitantes e uma densidade populacional de 2078 hab./km2)? Três freguesias de dimensão populacional muito semelhante (entre 10 mil e 11.300 habitantes) e com densidades populacionais também idênticas (entre 2072 e 2141 hab./km2), com sortes distintas. Quem poderá compreender este mistério insondável?

Podiam ser dados outros exemplos, mas cremos que estes bastam para frisar o carácter arbitrário das agregações de freguesias propostas pela Câmara.

Acresce ainda que a proposta de pronúncia padece de erros factuais, os quais poderão ditar uma declaração de inconformidade por parte da Unidade Técnica.

Assim, o nº 2 do artº 5º está mal interpretado. Claramente, a intenção do legislador, com o nº 2 do artº 5º, é a de permitir que aquelas freguesias onde existam lugares urbanos mas onde eles se limitem ao território de uma única freguesia e não apresentem continuidade territorial com outros espaços urbanos nas freguesias adjacentes, possam, para efeitos da Lei, ser consideradas como freguesias fora dos lugares urbanos. Mas o legislador claramente pretende que, nas situações em que exista um contínuo urbano que se estende por diversas freguesias, todas elas sejam correctamente identificadas como de natureza urbana, independentemente de alguns dos lugares urbanos que formam esse contínuo se poderem confinar a uma única freguesia. Só assim se entende, aliás, a formulação utilizada no nº 1 do artº 6º, onde se consideram de natureza urbana as “freguesias cujo território se situe, total ou parcialmente, no mesmo lugar urbano ou em lugares urbanos sucessivamente contíguos”. Ou seja: ao contrário do que a câmara assumiu, as freguesias de Arcozelo, Avintes, Canelas, Crestuma, Grijó, Lever, Olival, Pedroso, Perozinho, Sandim, São Félix da Marinha e Serzedo não caem na alçada do nº 2 do artº 5º, o que baralha as contas quanto ao número de freguesias a reduzir, nos termos da Lei 22/2012. Ainda por cima, há aqui uma dupla incompetência, pois a Lei tem outras disposições (o nº 3 e o nº 4 do artº 5º) que permitiriam, sim, considerar como não integrando lugares urbanos várias daquelas freguesias, argumentando com o seu carácter marcadamente rural. Mas a Câmara não o fez e errou, o que pode vir a ditar a não aceitação desta pronúncia pela Unidade Técnica.

A Câmara errou também ao proceder aos arredondamentos depois de aplicar as percentagens definidas pelo nº 1 do artº 6º. O artº 19º da Lei diz que devem ser arredondados o resultado da aplicação das percentagens (no plural), devendo entender-se o arredondamento em separado do resultado da aplicação de cada percentagem. Mas a câmara optou, ao invés por fazer o arredondamento da soma dos resultados da aplicação das percentagens, em vez de arredondar primeiro e somar depois. Não é indiferente, como saberá qualquer um com algum treino matemático.

Face ao exposto, o Bloco de Esquerda vota contra a proposta de pronúncia sobre a reorganização administrativa do território das freguesia que foi apresentada pela Câmara.

 

pelo Bloco de Esquerda

 

Vila Nova de Gaia, 11 de Outubro de 2012