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Bloco pergunta como é que a Cm Gaia vai investir 500M€ em Reabilitação Urbana

Intervenção do deputado Luís Monteiro na A.M. de 21 de Abril de 2014

Queria começar por recordar uma afirmação feita pelo Sr. Presidente da Câmara há menos de um mês, aquando da inauguração da chamada Loja da Reabilitação:

Afirmou então o Sr. Presidente, segundo se lê numa notícia publicada no próprio site da Câmara* que “o município de Gaia espera ultrapassar os 500 milhões de euros de investimento na reabilitação e regeneração urbana do espaço público do concelho, no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio (QCA) 2014-2020“.

Trata-se de uma bela afirmação, procurando fixar uma meta ambiciosa e portanto, apropriada a um contexto de início de ciclo, seja o ciclo político da autarquia, dado que se encontra ainda nos primeiros meses do seu mandato, seja o ciclo de programação financeira dos fundos comunitários, com o próximo quadro comunitário ainda em fase de montagem, prévia ao início da respetiva execução.

Uma bela afirmação, portanto. O problema é que esta meta não é credível à luz do que já se conhece.

O Programa Operacional (PO) da Região Norte, que regerá a aplicação dos fundos comunitários específicos para esta região, não está ainda aprovado mas é já conhecida a respetiva proposta, que já terá sido apresentada à Comissão Europeia:

 

http://www.ccdrn.pt/fotos/editor2/norte2020/pornorte2020_modelocom_versaodetrabalho.pdf

 

 

Nessa proposta de PO, não existe nenhum eixo estratégico centrado na questão da reabilitação urbana, uma vez que, ao contrário do que afirmou ou pelo menos deu a entender o Sr. Presidente da Câmara, essa não é uma prioridade fundamental na proposta de PO. De facto, a aposta fundamental é nas áreas da investigação, desenvolvimento tecnológico e inovação; na chamada competitividade das PME e nos apoios ao chamado empreendedorismo; sendo que estas áreas apresentam uma dotação financeira que ultrapassa metade dos cerca de 3.300 M€ (três mil e trezentos milhões de euros) que são a dotação financeira global prevista para o PO da Região Norte até final de 2020.

As questões da reabilitação urbana, não surgindo agrupadas num único eixo, surgem, no entanto, dispersas em vários eixos prioritários, nomeadamente nos objetivos temáticos que tratam das questões da eficiência energética da habitação e infraestruturas publicas, das questões do ambiente, nomeadamente da revitalização do ambiente urbano e ainda da inclusão social, nomeadamente no que se refere à regeneração física económica e social de comunidades desfavorecidas em zonas urbanas e rurais. O problema é que, para alavancar um investimento de 500 milhões de euros, que foi aquilo que o Sr. Presidente da Câmara anunciou como meta, seria necessário mobilizar 425 milhões de euros de apoios comunitários, tendo em conta uma taxa de cofinanciamento de 85%, que é a que está prevista. Ora, nem que toda a dotação financeira prevista para aqueles objetivos temáticos (que são os que de mais perto se relacionam com a ideia de reabilitação urbana e que se destinam a toda a região Norte, incluindo as zonas rurais) fosse aplicada na reabilitação urbana em Vila Nova de Gaia, ainda assim não seria possível mobilizar um apoio em fundos comunitários capaz de alavancar um investimento daquela ordem de grandeza!

É claro que o conceito de reabilitação urbana pode ser entendido de uma forma mais lata, abrangendo uma multiplicidade de intervenções que passem não só pelo edificado e pelo espaço público, mas também pela dinamização socioeconómica e cultural e pela disponibilização de um conjunto de serviços. Mas mesmo nesse sentido muitíssimo lato de reabilitação urbana, para conseguir alavancar um investimento global da ordem de 500 milhões de euros, seria necessário que fossem canalizadas para Vila Nova de Gaia quase um terço do total de verbas previstas para a Região Norte até final de 2020. Algo que, como é evidente, não está nos horizontes – e que, do ponto de vista da coesão territorial, nem seria desejável que acontecesse, pelo que isso representaria de discriminação negativa para a maioria dos restantes municípios da Região Norte.

 

E portanto, eu quero dizer-lhe duas coisas, Sr. presidente da Câmara:

1º Que, ao contrário do que o senhor anunciou, não vai ser possível realizar até 2020 um investimento de 500 milhões de euros em reabilitação urbana em Vila Nova de Gaia alavancado apenas em fundos comunitários e na comparticipação do município; consulte os números, senhor presidente; consulte a proposta de PO que é conhecida e verá que não é possível.

2º Que é necessário ser mais rigoroso e dizer exatamente e realisticamente o que pretende fazer em matéria de reabilitação urbana.

 

É preciso rigor e clareza, para evitar criar falsas expectativas e para que seja possível compreender as escolhas políticas da Câmara.

 

É preciso rigor, também, para evitar contradições entre as políticas seguidas pelo município ao longo do tempo.

 

A Câmara aprovou recentemente um novo empreendimento turístico, que considerou de interesse público, situado na Rua Cabo Simão, ou seja, no sopé da Escarpa da Serra do Pilar:

 

http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Porto&Concelho=Vila%20Nova%20de%20Gaia&Option=Interior&content_id=3794863

 

É importante recordar que, na sequência de um deslizamento de terras ocorrido em Setembro de 2006, a Câmara Municipal, então presidida por Luís Filipe Menezes, alegou a existência de um alegado “risco eminente de derrocada” para sustentar a necessidade de retirar imediatamente as populações que então residiam na Escarpa. O alegado “risco eminente” nunca foi provado: o famoso relatório do LNEC, que a Câmara inicialmente pretendeu esconder mas que foi forçada a tornar público, em momento nenhum utilizava tal expressão. Mas as populações foram mesmo retiradas. Não de forma súbita e sem quaisquer direitos, como a Câmara inicialmente pretendia, mas sim garantindo o realojamento a quem dele tinha necessidade. O Bloco de Esquerda foi uma das forças que então mais se bateram pela defesa dos direitos da população e que mais claramente denunciaram a existência de interesses imobiliários de sector turístico por detrás da intenção do executivo liderado por Filipe Menezes.

Comprova-se agora que esses interesses imobiliários ligados ao turismo existiam, de facto.

É claro que atualmente a Câmara tem outro presidente e é governada por uma maioria distinta. Mas mesmo assim, há questões que importa que sejam colocadas, sem esquecer que um dos vereadores que integra a atual maioria, era também vereador da maioria que em 2006/2007 lançou o alarmismo do “risco eminente” e o concomitante ataque às populações da Escarpa da Serra do Pilar.

Portanto, importa questionar: como é possível que a Câmara de Gaia aprove agora um projeto turístico para o sopé da mesma Escarpa da Serra do Pilar em relação há qual a Câmara dizia, há poucos anos, existir um “perigo eminente de derrocada”? É que os trabalhos que entretanto foram realizados na Escarpa

(http://issuu.com/grupo-aca/docs/album_escarpa/1?e=0) foram essencialmente trabalhos de limpeza e de encaminhamento de águas pluviais, além da construção de pequenos muros e reparação de alguns taludes. Nada que se confunda com obras pesadas de engenharia que permitissem obviar a uma situação de “risco eminente de derrocada” (vide, por comparação, as construções visíveis da Avenida da República que desde há muito sustentam a Serra do Pilar do lado ocidental).

Há portanto uma contradição evidente entre o “perigo eminente” que em tempos serviu para expulsar as populações e o “interesse público” agora reconhecido a um empreendimento turístico situado no sopé daquela escarpa e que vai, obviamente, beneficiar comercialmente do enquadramento proporcionado por uma escarpa mais limpa e mais desocupada. Uma contradição que deixa claro que, no processo de retirada da maior parte da população da escarpa, terão pesado outros interesses que não apenas os alegados em matéria de proteção civil.

 

*http://www.cm-gaia.pt/portais/_cmg/Noticia.aspx?contentid=E896800480CO