Share |

25 Abril 2013 – Sessão solene V N Gaia

 

Assinalar mais um aniversáro do 25 de Abril de 1974 é, infelizmente, cada vez menos uma ocasião festiva para os portugueses e é, pelo contrário, cada vez mais um momento em que os portugueses são confrontados com a destruição de muitos dos avanços que a Revolução dos Cravos proporcionou.

 

Há 39 anos, o 25 de Abril marcou o fim de um regime deplorável, no qual não existia liberdade de opinião, os partidos políticos eram proibidos, os sindicatos livres não existiam, as mulheres deviam obediência aos seus maridos e a população fugia do país, acossada pela pobreza e pela guerra colonial em que o país se afundava desde há 13 anos. Portugal era um país pobre, analfabeto, doente, onde todos os direitos sociais eram negados à esmagadora maioria. Um país onde o poder perseguia, prendia, torturava e assassinava aqueles que insistiam em amar a Liberdade.

 

Eu recordo-me bem do dia 25 de Abril de 1974, apesar de na altura ser muito jovem. Posso transmitir, àqueles que são mais novos do que eu, que esse dia e os dias que se lhe seguiram foram dias luminosos. Havia nos rostos um ar de felicidade, próprio de quem acreditava (ingenuamente, talvez, mas acreditava!) que de repente todos os sonhos se podiam tornar possíveis. Nunca mais se viu em Portugal uma esperança e uma felicidade colectiva que se comparasse minimamente à euforia daquele tempo em que todos os dias eram “o dia inicial, inteiro e limpo” de que falou Sophia de Mello Breyner Andresen.

 

Com o 25 de Abril criámos em Portugal novos consensos. O consenso sobre a democracia política, incluindo-se aí a ideia de um poder local democrático e autónomo. Mas também o consenso sobre o Estado Social, com o qual procurámos impulsionar também a democracia económica e social. Um consenso sobre o Estado Social que se traduz nisto: quem trabalha paga impostos; quem ganha mais paga mais, quem ganha menos, paga menos; e todos reconhecemos a todos o direito à habitação, à educação, à saúde, à solidariedade colectiva através da segurança social.

 

A seguir ao 25 de Abril, a escola pública gratuita e democrática garantiu a educação para todos e tem sido, ao longo destas décadas, um mecanismo indispensável de inclusão social. Com a criação do Serviço Nacional de Saúde, público, universal e gratuito, a saúde em Portugal deixou de ser um luxo, deixou de se morrer por falta de assistência médica e a taxa de mortalidade infantil reduziu-se quase a zero! Com a criação de sindicatos e com a regulação das relações laborais, os trabalhadores deixaram de ter necessidade de pedir para trabalhar e passaram a ter direito a um salário minimamente digno. Com a criação da Segurança Social, a velhice tornou-se um pouco menos penosa. Nisto se traduziu o consenso social criado com o 25 de Abril.

 

Por isso, quando hoje vemos quem está no poder falar da necessidade de consensos nacionais que só lhes serviriam para com maior facilidade continuarem a esmagar Portugal, é preciso dizer claramente que esses são os mesmos que se empenham em destruir o consenso que foi o cimento da democracia durante estas útimas décadas.

 

Vivemos em Portugal uma crise económica e social gravíssima que é o resultado da opção de um Governo que assumidamente escolheu empobrecer o país! Como se fizesse sentido dizer que, para que alguma coisa possa um dia melhorar, é necessário primeiro que tudo piore até ao limite do insuportável! Não faz nenhuma sentido!

 

Mas, esta política faz as suas vítimas.

Hoje, temos cada vez mais famílias que perdem a sua habitação por deixarem de ser capazes de pagar as prestações bancárias ou de fazer face aos aumentos das rendas.

 

Hoje, o atendimento no Serviço Nacional de Saúde já é tão caro que a medicina privada volta a ser concorrencial em termos de preço. Temos cada vez mais cidadãos obrigados a escolher entre pagar a renda de casa, pagar os medicamentos de que necessita ou ter dinheiro para comer e por isso a saúde volta a ser um privilégio de quem a pode pagar.

 

Hoje, a escola pública exige à famílias despesas cada vez mais significativas e as propinas voltam a transformar o ensino superior numa coisa elitista, ao alcance apenas de alguns.

 

Hoje, os níveis de protecção social sofreram um recuo enorme, a segurança social é cada vez mais uma miragem, assistimos ao encerramento de serviços públicos e crescem a olhos vistos o desemprego e a pobreza.

 

Hoje, a população volta a fugir do país, sendo até incentivada a emigrar por um Governo que aumenta impostos, corta ordenados, corta prestações sociais, encerra serviços públicos e privatiza tudo, quer até privatizar a água, que é fundamental à vida e que tem de ser vista como um direito humano fundamental.

 

Se o 25 de Abril é o Dia da liberdade, importa perguntar: que liberdade têm aqueles que são as vítimas da crise. Que liberdade têm os que perderm o seu emprego, perderam o direito a qualquer subsídio de desemprego, perderam a sua casa, sofrem cortes importantes no seu rendimento e se deparam com dificuldades acrescidas de toda a ordem?

 

Hoje, o poder local é cada vez mais atacado por um poder político cada mais centralista, que decidiu eliminar mais de mil freguesias sem sequer ouvir as populações e que impõe uma nova lei de finanças locais que vai condicionar cada vez mais a acção das autarquias. Situação agravada quando os eleitos locais optam por privilegiar a criação de oportunidades de negócio para interesses privados em vez de defender o interesse público; se demitem da responsabilidade de encontrar formas de combate à pobreza que passem pela dinamização da economia local; encaram a reabilitação urbana numa perspectiva elitista que expulsa das zonas requalificadas as populações mais pobres; ou gerem os dinheiros públicos sem a necessária noção de responsabilidade social. Um panorama, aliás, que, em traços gerais,não destoa de grande parte do que tem sido a gestão camarária de Vila Nova de Gaia nos anos mais recentes.

 

Concluo dizendo isto: se hoje, passados 39 anos, o 25 de Abril não está de luto, é apenas porque os portugueses se mobilizam, cada vez mais, para a luta. Possa este aniversário do 25 de Abril ser mais um passo dessa luta popular e democrática que tem de levar a uma profunda alteração das políticas, em prol da democracia e da justiça na economia.

 

Eduardo Pereira